Sonho desfeito
“Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia”
“ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre”
“ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime”
“em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes”
“ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!”
O Mar – António Ramos Rosa
Ontem alguém saiu de casa na esperança de encontrar o seu lugar para mais um dia de pesca, talvez no seu sítio preferido ou então num pesqueiro novo, e não voltou. Muitos pescadores arriscam literalmente a vida e este, fosse por descuido, imprudência ou azar, o mar tomou conta dele. Foi o barulho do motor do helicóptero da busca e salvamento que alertou os que se encontravam junto à costa para que algo de mau se passava.
E logo os telefones começaram a tocar na incerteza dos que, tal como ele, tinham vindo pescar para estas bandas e, por arriscarem demais, levantaram medos e angústia.
Nunca será demais lembrar que todos os cuidados são poucos na escolha do local de pesca nas arribas e que muitas vezes, por mais esforços que se façam para dar continuidade ao sonho, esse morre no mar.